Pensamentos Alheios
Meus queridos pensamentos alheios! =)
quarta-feira, 8 de junho de 2011
A descoberta do amor
E um dia na rua estava,
distraída passava.
Pequena era,
pequena estava.
Mas um dia amou,
e grande ficou.
Porém pequena era,
mas pequena não estava.
E descobriu no amor,
a cura da dor.
E já não era mais pequena
e nem estava pequena.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Selo
Esse selinho eu ganhei do blog: papiando-adoidado.blogspot.com
As regras são dizer dez coisas sobre o blog:
1- Eu criei o blog pra melhorar minha redação, principalmente pro vestibular, escrevia muito mal.
2- Ele anda meio abandonado, estou muito atarefada!
3-Gosto mais de postar textos dissertativos.
4- Estou pensando em colocar textos que acho interessantes de escritores famosos.
5-Eu mudo a aparência do blog quase todo mês, sempre enjoô.
6- Através do meu blog encontrei diversos outros que leio quase todo dia.
7- Meus textos poéticos não são bons.
8- Não tenho mais o que escrever.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Conto por Machado de Assis
Venho, através desse conto, demonstrar meu grande apreço por Machado de Assis. Não somente pelos fatos vividos por ele, mas também por representar um grande escritor da nossa literatura! A temática básica desse conto é a oposição entre vocação e ambição, e mais uma vez, venho demonstrar minha opinião acerca do assunto: o homem tornou-se tão ambicioso que, querendo sempre ser o melhor, não aceita, muitas vezes, o que é a sua vocação, e por isso, pode viver uma vida inteiramente triste e angustiado. Aceitemos, então, nossas vocações e trabalhemos com ela para melhorarmos a sociedade! Abraço fraternal a todos os leitores.
Um Homem Célebre
— AH! o SENHOR é que é o Pestana? perguntou Sinhazinha Mota, fazendo
um largo gesto admirativo. E logo depois, corrigindo a familiaridade: —
Desculpe meu modo, mas. .. é mesmo o senhor?
Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sim, que era ele. Vinha do
piano, enxugando a testa com o lenço, e ia a chegar à janela, quando a moça
o fez parar. Não era baile; apenas um sarau íntimo, pouca gente, vinte
pessoas ao todo, que tinham ido jantar com a viúva Camargo, Rua do Areal,
naquele dia dos anos dela, cinco de novembro de 1875... Boa e patusca
viúva! Amava o riso e a folga, apesar dos sessenta anos em que entrava, e
foi a última vez que folgou e riu, pois faleceu nos primeiros dias de 1876.
Boa e patusca viúva! Com que alma e diligência arranjou ali umas danças,
logo depois do jantar, pedindo ao Pestana que tocasse uma quadrilha! Nem
foi preciso acabar o pedido; Pestana curvou-se gentilmente, e correu ao
piano. Finda a quadrilha, mal teriam descansado uns dez minutos, a viúva
correu novamente ao Pestana para um obséquio mui particular.
— Diga, minha senhora.
— É que nos toque agora aquela sua polca Não Bula Comigo, Nhonhô.
Pestana fez uma careta, mas dissimulou depressa, inclinou-se calado, sem
gentileza, e foi para o piano, sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros
compassos, derramou-se pela sala uma alegria nova, os cavalheiros correram
às damas, e os pares entraram a saracotear a polca da moda. Da moda, tinha
sido publicada vinte dias antes, e já não havia recanto da cidade em que não
fosse conhecida. Ia chegando à consagração do assobio e da cantarola
noturna.
Sinhazinha Mota estava longe de supor que aquele Pestana que ela vira à
mesa de jantar e depois ao piano, metido numa sobrecasaca cor de rapé,
cabelo negro, longo e cacheado, olhos cuidosos, queixo rapado, era o mesmo
Pestana compositor; foi uma amiga que lho disse quando o viu vir do piano,
acabada a polca. Daí a pergunta admirativa. Vimos que ele respondeu
aborrecido e vexado. Nem assim as duas moças lhe pouparam finezas, tais e
tantas, que a mais modesta vaidade se contentaria de as ouvir; ele recebeu-as
cada vez mais enfadado, até que, alegando dor de cabeça, pediu licença para
sair. Nem elas, nem a dona da casa, ninguém logrou retê-lo. Ofereceram-lhe
remédios caseiros, algum repouso, não aceitou nada, teimou em sair e saiu.
Rua fora, caminhou depressa, com medo de que ainda o chamassem; só
afrouxou, depois que dobrou a esquina da Rua Formosa. Mas aí mesmo
esperava-o a sua grande polca festiva. De uma casa modesta, à direita, a
poucos metros de distância, saíam as notas da composição do dia, sopradas
em clarineta. Dançava-se. Pestana parou alguns instantes, pensou em
arrepiar caminho, mas dispôs-se a andar, estugou o passo, atravessou a rua, e
seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. As notas foram-se perdendo, ao
longe, e o nosso homem entrou na Rua do Aterrado, onde morava. Já perto
de casa, viu vir dois homens: um deles, passando rentezinho com o Pestana,
começou a assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o outro pegou a
tempo na música, e aí foram os dois abaixo, ruidosos e alegres, enquanto o
autor da peça, desesperado, corria a meter-se em casa.
Em casa, respirou. Casa velha. escada velha. um preto velho que o servia,
e que veio saber se ele queria cear.
— Não quero nada, bradou o Pestana: faça-me café e vá dormir.
Despiu-se, enfiou uma camisola, e foi para a sala dos fundos. Quando o
preto acendeu o gás da sala, Pestana sorriu e, dentro d'alma, cumprimentou
uns dez retratos que pendiam da parede. Um só era a óleo, o de um padre,
que o educara, que lhe ensinara latim e música, e que, segundo os ociosos,
era o próprio pai do Pestana. Certo é que lhe deixou em herança aquela casa
velha, e os velhos trastes, ainda do tempo de Pedro I. Compusera alguns
motetes o padre, era doudo por música, sacra ou profana, cujo gosto incutiu
no moço, ou também lhe transmitiu no sangue, se é que tinham razão as
bocas vadias, cousa de que se não ocupa a minha história, como ides ver.
Os demais retratos eram de compositores clássicos, Cimarosa, Mozart,
Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, e ainda uns três, alguns, gravados,
outros litografados, todos mal encaixilhados e de diferente tamanho, mas
postos ali como santos de uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da
noite lá estava aberto: era uma sonata de Beethoven.
Veio o café; Pestana engoliu a primeira xícara, e sentou-se ao piano.
Olhou para o retrato de Beethoven, e começou a executar a sonata, sem
saber de si, desvairado ou absorto, mas com grande perfeição. Repetiu a
peça, depois parou alguns instantes, levantou-se e foi a uma das janelas.
Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e executou-o do
mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda
xícara de café.
Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fez que estar à janela e
olhar para as estrelas, entrar e olhar para os retratos. De quando em quando
ia ao piano, e, de pé, dava uns golpes soltos no teclado, como se procurasse
algum pensamento mas o pensamento não aparecia e ele voltava a encostarse
à janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas no
céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu
tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma constelação de partituras.
Nenhuma imagem, desvario ou reflexão trazia uma lembrança qualquer de
Sinhazinha Mota, que entretanto, a essa mesma hora, adormecia, pensando
nele, famoso autor de tantas polcas amadas. Talvez a idéia conjugal tirou à
moça alguns momentos de sono. Que tinha? Ela ia em vinte anos, ele em
trinta, boa conta. A moça dormia ao som da polca, ouvida de cor, enquanto o
autor desta não cuidava nem da polca nem da moça, mas das velhas obras
clássicas, interrogando o céu e a noite, rogando aos anjos, em último caso ao
diabo. Por que não faria ele uma só que fosse daquelas páginas imortais?
Às vezes, como que ia surgir das profundezas do inconsciente uma aurora
de idéia: ele corria ao piano para aventá-la inteira, traduzi-la, em sons, mas
era em vão: a idéia esvaía-se. Outras vezes, sentado, ao piano, deixava os
dedos correrem, à ventura, a ver se as fantasias brotavam deles, como dos de
Mozart: mas nada, nada, a inspiração não vinha, a imaginação deixava-se
estar dormindo. Se acaso uma idéia aparecia, definida e bela, era eco apenas
de alguma peça alheia, que a memória repetia, e que ele supunha inventar.
Então, irritado, erguia-se, jurava abandonar a arte, ir plantar café ou puxar
carroça: mas daí a dez minutos, ei-lo outra vez, com os olhos em Mozart, a
imitá-lo ao piano.
Duas, três, quatro horas. Depois das quatro foi dormir; estava cansado,
desanimado, morto; tinha que dar lições no dia seguinte. Pouco dormiu;
acordou às sete horas. Vestiu-se e almoçou.
— Meu senhor quer a bengala ou o chapéu-de-sol? perguntou o preto,
segundo as ordens que tinha. porque as distrações do senhor eram
freqüentes.
— A bengala.
— Mas parece que hoje chove.
— Chove, repetiu Pestana maquinalmente.
— Parece que sim, senhor, o céu está meio escuro.
Pestana olhava para o preto, vago, preocupado. De repente:
— Espera aí.
Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se e espalmou as mãos no
teclado. Começou a tocar alguma cousa própria, uma inspiração real e
pronta, uma polca, uma polca buliçosa, como dizem os anúncios. Nenhuma
repulsa da parte do compositor; os dedos iam arrancando as notas, ligandoas,
meneando-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo.
Pestana esquecera as discípulas, esquecera o preto, que o esperava com a
bengala e o guarda-chuva, esquecera até os retratos que pendiam gravemente
da parede. Compunha só, teclando ou escrevendo, sem os vãos esforços da
véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os olhos de
Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma como
de uma fonte perene.
Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda alguns pontos,
quando voltou para jantar: mas já a cantarolava, andando, na rua. Gostou
dela; na composição recente e inédita circulava o sangue da paternidade e da
vocação. Dois dias depois, foi levá-la ao editor das outras polcas suas, que
andariam já por umas trinta. O editor achou-a linda.
— Vai fazer grande efeito.
Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em
1871, quis dar-lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor
abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à
popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das
palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não
Fazem Festa.
— Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa? perguntou o autor.
— Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações e
guardou a polca, mas não tardou que compusesse outra, e a comichão da
publicidade levou-o a imprimir as duas, com os títulos que ao editor
parecessem mais atraentes ou apropriados. Assim se regulou pelo tempo
adiante.
Agora, quando Pestana entregou a nova polca, e passaram ao título, o
editor acudiu que trazia um, desde muitos dias, para a primeira obra que ele
lhe apresentasse, título de espavento, longo e meneado. Era este: Senhora
Dona, Guarde o Seu Balaio.
— E para a vez seguinte, acrescentou, já trago outro de cor.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações
compositor bastava à procura; mas a obra em si mesma era adequada ao
gênero, original, convidava a dançá-la e decorava-se depressa. Em oito dias,
estava célebre. Pestana, durante os primeiros, andou deveras namorado da
composição, gostava de a cantarolar baixinho, detinha-se na rua, para ouvila
tocar em alguma casa, e zangava-se quando não a tocavam bem. Desde
logo, as orquestras de teatro a executaram, e ele lá foi a um deles. Não
desgostou também de a ouvir assobiada, uma noite, por um vulto que descia
a Rua do Aterrado.
Essa lua-de-mel durou apenas um quarto de lua. Como das outras vezes, e
mais depressa ainda, os velhos mestres retratados o fizeram sangrar de
remorsos. Vexado e enfastiado, Pestana arremeteu contra aquela que o viera
consolar tantas vezes, musa de olhos marotos e gestos arredondados, fácil e
graciosa. E aí voltaram as náuseas de si mesmo, o ódio a quem lhe pedia a
nova polca da moda, e juntamente o esforço de compor alguma cousa ao
sabor clássico, uma página que fosse, uma só, mas tal que pudesse ser
encadernada entre Bach e Schumann. Vão estudo, inútil esforço.
Mergulhava naquele Jordão sem sair batizado. Noites e noites, gastou-as
assim, confiado e teimoso, certo de que a vontade era tudo, e que, uma vez
que abrisse mão da música fácil...
— As polcas que vão para o inferno fazer dançar o diabo, disse ele um dia,
de madrugada, ao deitar-se.
Mas as polcas não quiseram ir tão fundo. Vinham à casa de Pestana, à
própria sala dos retratos, irrompiam tão prontas, que ele não tinha mais que
o tempo de as compor, imprimi-las depois, gostá-las alguns dias, aborrecêlas,
e tornar às velhas fontes, donde lhe não manava nada. Nessa alternativa
viveu até casar, e depois de casar.
— Casar com quem? perguntou Sinhazinha Mota ao tio escrivão que lhe deu
aquela notícia.
— Vai casar com uma viúva.
— Velha?
— Vinte e sete anos.
— Bonita?
— Não, nem feia, assim, assim. Ouvi dizer que ele se enamorou dela, porque
a ouviu cantar na última festa de S. Francisco de Paula. Mas ouvi também
que ela possui outra prenda, que não é rara, mas vale menos: está tísica.
Os escrivães não deviam ter espírito, — mau espírito, quero dizer. A
sobrinha deste sentiu no fim um pingo de bálsamo, que lhe curou a
dentadinha da inveja. Era tudo verdade. Pestana casou daí a dias com uma
viúva de vinte e sete anos, boa cantora e tísica. Recebeu-a como a esposa
espiritual do seu gênio. O celibato era, sem dúvida, a causa da esterilidade e
do transvio, dizia ele consigo, artisticamente considerava-se um arruador de
horas mortas; tinha as polcas por aventuras de petimetres. Agora, sim, é que
ia engendrar uma família de obras sérias, profundas, inspiradas e
trabalhadas.
Essa esperança abotoou desde as primeiras horas do amor, e desabrochou
à primeira aurora do casamento. Maria, balbuciou a alma dele, dá-me o que
não achei na solidão das noites, nem no tumulto dos dias.
Desde logo, para comemorar o consórcio, teve idéia de compor um
noturno. Chamar-lhe-ia Ave, Maria. A felicidade como que lhe trouxe um
princípio de inspiração; não querendo dizer nada à mulher, antes de pronto,
trabalhava às escondidas; cousa difícil porque Maria, que amava igualmente
a arte, vinha tocar com ele, ou ouvi-lo somente, horas e horas, na sala dos
retratos. Chegaram a fazer alguns concertos semanais, com três artistas,
amigos do Pestana. Um domingo, porém, não se pôde ter o marido, e
chamou a mulher para tocar um trecho do noturno; não lhe disse o que era
nem de quem era. De repente, parando, interrogou-a com os olhos.
— Acaba, disse Maria, não é Chopin?
Pestana empalideceu, fitou os olhos no ar, repetiu um ou dois trechos e
ergueu-se. Maria assentou-se ao piano, e, depois de algum esforço de
memória, executou a peça de Chopin. A idéia, o motivo eram os mesmos;
Pestana achara-os em algum daqueles becos escuros da memória, velha
cidade de traições. Triste, desesperado, saiu de casa, e dirigiu-se para o lado
da ponte, caminho de S. Cristóvão.
— Para que lutar? dizia ele. Vou com as polcas. . . Viva a polca!
Homens que passavam por ele, e ouviam isto, ficavam olhando, como
para um doudo. E ele ia andando, alucinado, mortificado, eterna peteca entre
a ambição e a vocação. . . Passou o velho matadouro; ao chegar à porteira da
estrada de ferro, teve idéia de ir pelo trilho acima e esperar o primeiro trem
que viesse e o esmagasse. O guarda fê-lo recuar. Voltou a si e tornou a casa.
Poucos dias depois, — uma clara e fresca manhã de maio de 1876, —
eram seis horas, Pestana sentiu nos dedos um frêmito particular e conhecido.
Ergueu-se devagarinho, para não acordar Maria, que tossira toda noite, e
agora dormia profundamente. Foi para a sala dos retratos, abriu o piano, e, o
mais surdamente que pôde, extraiu uma polca. Fê-la publicar com um
pseudônimo; nos dois meses seguintes compôs e publicou mais duas. Maria
não soube nada; ia tossindo e morrendo, até que expirou, uma noite, nos
braços do marido, apavorado e desesperado.
Era noite de Natal. A dor do Pestana teve um acréscimo, porque na
vizinhança havia um baile, em que se tocaram várias de suas melhores
polcas. Já o baile era duro de sofrer; as suas composições davam-lhe um ar
de ironia e perversidade. Ele sentia a cadência dos passos, adivinhava os
movimentos, porventura lúbricos, a que obrigava alguma daquelas
composições; tudo isso ao pé do cadáver pálido, um molho de ossos,
estendido na cama... Todas as horas da noite passaram assim, vagarosas ou
rápidas, úmidas de lágrimas e de suor, de águas-da-colônia e de Labarraque ,
saltando sem parar, como ao som da polca de um grande Pestana invisível.
Enterrada a mulher, o viúvo teve uma única preocupação: deixar a
música, depois de compor um Requiem, que faria executar no primeiro
aniversário da morte de Maria. Escolheria outro emprego, escrevente,
carteiro, mascate, qualquer cousa que lhe fizesse esquecer a arte assassina e
surda.
Começou a obra; empregou tudo, arrojo, paciência, meditação, e até os
caprichos do acaso, como fizera outrora, imitando Mozart. Releu e estudou o
Requiem deste autor. Passaram-se semanas e meses. A obra, célere a
princípio, afrouxou o andar. Pestana tinha altos e baixos. Ora achava-a
incompleta. não lhe sentia a alma sacra, nem idéia, nem inspiração, nem
método; ora elevava-se-lhe o coração e trabalhava com vigor. Oito meses,
nove, dez, onze, e o Requiem não estava concluído. Redobrou de esforços,
esqueceu lições e amizades. Tinha refeito muitas vezes a obra; mas agora
queria concluí-la, fosse como fosse. Quinze dias, oito, cinco... A aurora do
aniversário veio achá-lo trabalhando.
Contentou-se da missa rezada e simples, para ele só. Não se pode dizer se
todas as lágrimas que lhe vieram sorrateiramente aos olhos, foram do
marido, ou se algumas eram do compositor. Certo é que nunca mais tornou
ao Requiem.
"Para quê?" dizia ele a si mesmo.
Correu ainda um ano. No princípio de 1878, apareceu-lhe o editor.
— Lá vão dois anos, disse este, que nos não dá um ar da sua graça. Toda a
gente pergunta se o senhor perdeu o talento. Que tem feito?
— Nada.
— Bem sei o golpe que o feriu; mas lá vão dois anos. Venho propor-lhe um
contrato: vinte polcas durante doze meses; o preço antigo, e uma
porcentagem maior na venda. Depois, acabado o ano, podemos renovar.
Pestana assentiu com um gesto. Poucas lições tinha, vendera a casa para
saldar dívidas, e as necessidades iam comendo o resto, que era assaz
escasso. Aceitou o contrato.
— Mas a primeira polca há de ser já, explicou o editor. É urgente. Viu a
carta do Imperador ao Caxias? Os liberais foram chamados ao poder, vão
fazer a reforma eleitoral. A polca há de chamar-se: Bravos à Eleição Direta!
Não é política; é um bom título de ocasião.
Pestana compôs a primeira obra do contrato. Apesar do longo tempo de
silêncio, não perdera a originalidade nem a inspiração. Trazia a mesma nota
genial. As outras polcas vieram vindo, regularmente. Conservara os retratos
e os repertórios; mas fugia de gastar todas as noites ao piano, para não cair
em novas tentativas. Já agora pedia uma entrada de graça, sempre que havia
alguma boa ópera ou concerto de artista ia, metia-se a um canto, gozando
aquela porção de cousas que nunca lhe haviam de brotar do cérebro. Uma ou
outra vez, ao tornar para casa, cheio de música, despertava nele o maestro
inédito; então, sentava-se ao piano, e, sem idéia, tirava algumas notas, até
que ia dormir, vinte ou trinta minutos depois.
Assim foram passando os anos, até 1885. A fama do Pestana dera-lhe
definitivamente o primeiro lugar entre os compositores de polcas; mas o
primeiro lugar da aldeia não contentava a este César, que continuava a
preferir-lhe, não o segundo, mas o centésimo em Roma. Tinha ainda as
alternativas de outro tempo, acerca de suas composições a diferença é que
eram menos violentas. Nem entusiasmo nas primeiras horas, nem horror
depois da primeira semana; algum prazer e certo fastio.
Naquele ano, apanhou uma febre de nada, que em poucos dias cresceu, até
virar perniciosa. Já estava em perigo, quando lhe apareceu o editor, que não
sabia da doença, e ia dar-lhe notícia da subida dos conservadores, e pedir-lhe
uma polca de ocasião. O enfermeiro, pobre clarineta de teatro , referiu-lhe o
estado do Pestana , de modo que o editor entendeu calar-se. O doente é que
instou para que lhe dissesse o que era, o editor obedeceu.
— Mas há de ser quando estiver bom de todo, concluiu.
— Logo que a febre decline um pouco, disse o Pestana.
Seguiu-se uma pausa de alguns segundos. O clarineta foi pé ante pé
preparar o remédio; o editor levantou-se e despediu-se.
— Adeus.
— Olhe, disse o Pestana, como é provável que eu morra por estes dias, façolhe
logo duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais.
Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou
na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os
homens e mal consigo mesmo.
Um Homem Célebre
— AH! o SENHOR é que é o Pestana? perguntou Sinhazinha Mota, fazendo
um largo gesto admirativo. E logo depois, corrigindo a familiaridade: —
Desculpe meu modo, mas. .. é mesmo o senhor?
Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sim, que era ele. Vinha do
piano, enxugando a testa com o lenço, e ia a chegar à janela, quando a moça
o fez parar. Não era baile; apenas um sarau íntimo, pouca gente, vinte
pessoas ao todo, que tinham ido jantar com a viúva Camargo, Rua do Areal,
naquele dia dos anos dela, cinco de novembro de 1875... Boa e patusca
viúva! Amava o riso e a folga, apesar dos sessenta anos em que entrava, e
foi a última vez que folgou e riu, pois faleceu nos primeiros dias de 1876.
Boa e patusca viúva! Com que alma e diligência arranjou ali umas danças,
logo depois do jantar, pedindo ao Pestana que tocasse uma quadrilha! Nem
foi preciso acabar o pedido; Pestana curvou-se gentilmente, e correu ao
piano. Finda a quadrilha, mal teriam descansado uns dez minutos, a viúva
correu novamente ao Pestana para um obséquio mui particular.
— Diga, minha senhora.
— É que nos toque agora aquela sua polca Não Bula Comigo, Nhonhô.
Pestana fez uma careta, mas dissimulou depressa, inclinou-se calado, sem
gentileza, e foi para o piano, sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros
compassos, derramou-se pela sala uma alegria nova, os cavalheiros correram
às damas, e os pares entraram a saracotear a polca da moda. Da moda, tinha
sido publicada vinte dias antes, e já não havia recanto da cidade em que não
fosse conhecida. Ia chegando à consagração do assobio e da cantarola
noturna.
Sinhazinha Mota estava longe de supor que aquele Pestana que ela vira à
mesa de jantar e depois ao piano, metido numa sobrecasaca cor de rapé,
cabelo negro, longo e cacheado, olhos cuidosos, queixo rapado, era o mesmo
Pestana compositor; foi uma amiga que lho disse quando o viu vir do piano,
acabada a polca. Daí a pergunta admirativa. Vimos que ele respondeu
aborrecido e vexado. Nem assim as duas moças lhe pouparam finezas, tais e
tantas, que a mais modesta vaidade se contentaria de as ouvir; ele recebeu-as
cada vez mais enfadado, até que, alegando dor de cabeça, pediu licença para
sair. Nem elas, nem a dona da casa, ninguém logrou retê-lo. Ofereceram-lhe
remédios caseiros, algum repouso, não aceitou nada, teimou em sair e saiu.
Rua fora, caminhou depressa, com medo de que ainda o chamassem; só
afrouxou, depois que dobrou a esquina da Rua Formosa. Mas aí mesmo
esperava-o a sua grande polca festiva. De uma casa modesta, à direita, a
poucos metros de distância, saíam as notas da composição do dia, sopradas
em clarineta. Dançava-se. Pestana parou alguns instantes, pensou em
arrepiar caminho, mas dispôs-se a andar, estugou o passo, atravessou a rua, e
seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. As notas foram-se perdendo, ao
longe, e o nosso homem entrou na Rua do Aterrado, onde morava. Já perto
de casa, viu vir dois homens: um deles, passando rentezinho com o Pestana,
começou a assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o outro pegou a
tempo na música, e aí foram os dois abaixo, ruidosos e alegres, enquanto o
autor da peça, desesperado, corria a meter-se em casa.
Em casa, respirou. Casa velha. escada velha. um preto velho que o servia,
e que veio saber se ele queria cear.
— Não quero nada, bradou o Pestana: faça-me café e vá dormir.
Despiu-se, enfiou uma camisola, e foi para a sala dos fundos. Quando o
preto acendeu o gás da sala, Pestana sorriu e, dentro d'alma, cumprimentou
uns dez retratos que pendiam da parede. Um só era a óleo, o de um padre,
que o educara, que lhe ensinara latim e música, e que, segundo os ociosos,
era o próprio pai do Pestana. Certo é que lhe deixou em herança aquela casa
velha, e os velhos trastes, ainda do tempo de Pedro I. Compusera alguns
motetes o padre, era doudo por música, sacra ou profana, cujo gosto incutiu
no moço, ou também lhe transmitiu no sangue, se é que tinham razão as
bocas vadias, cousa de que se não ocupa a minha história, como ides ver.
Os demais retratos eram de compositores clássicos, Cimarosa, Mozart,
Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, e ainda uns três, alguns, gravados,
outros litografados, todos mal encaixilhados e de diferente tamanho, mas
postos ali como santos de uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da
noite lá estava aberto: era uma sonata de Beethoven.
Veio o café; Pestana engoliu a primeira xícara, e sentou-se ao piano.
Olhou para o retrato de Beethoven, e começou a executar a sonata, sem
saber de si, desvairado ou absorto, mas com grande perfeição. Repetiu a
peça, depois parou alguns instantes, levantou-se e foi a uma das janelas.
Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e executou-o do
mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda
xícara de café.
Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fez que estar à janela e
olhar para as estrelas, entrar e olhar para os retratos. De quando em quando
ia ao piano, e, de pé, dava uns golpes soltos no teclado, como se procurasse
algum pensamento mas o pensamento não aparecia e ele voltava a encostarse
à janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas no
céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu
tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma constelação de partituras.
Nenhuma imagem, desvario ou reflexão trazia uma lembrança qualquer de
Sinhazinha Mota, que entretanto, a essa mesma hora, adormecia, pensando
nele, famoso autor de tantas polcas amadas. Talvez a idéia conjugal tirou à
moça alguns momentos de sono. Que tinha? Ela ia em vinte anos, ele em
trinta, boa conta. A moça dormia ao som da polca, ouvida de cor, enquanto o
autor desta não cuidava nem da polca nem da moça, mas das velhas obras
clássicas, interrogando o céu e a noite, rogando aos anjos, em último caso ao
diabo. Por que não faria ele uma só que fosse daquelas páginas imortais?
Às vezes, como que ia surgir das profundezas do inconsciente uma aurora
de idéia: ele corria ao piano para aventá-la inteira, traduzi-la, em sons, mas
era em vão: a idéia esvaía-se. Outras vezes, sentado, ao piano, deixava os
dedos correrem, à ventura, a ver se as fantasias brotavam deles, como dos de
Mozart: mas nada, nada, a inspiração não vinha, a imaginação deixava-se
estar dormindo. Se acaso uma idéia aparecia, definida e bela, era eco apenas
de alguma peça alheia, que a memória repetia, e que ele supunha inventar.
Então, irritado, erguia-se, jurava abandonar a arte, ir plantar café ou puxar
carroça: mas daí a dez minutos, ei-lo outra vez, com os olhos em Mozart, a
imitá-lo ao piano.
Duas, três, quatro horas. Depois das quatro foi dormir; estava cansado,
desanimado, morto; tinha que dar lições no dia seguinte. Pouco dormiu;
acordou às sete horas. Vestiu-se e almoçou.
— Meu senhor quer a bengala ou o chapéu-de-sol? perguntou o preto,
segundo as ordens que tinha. porque as distrações do senhor eram
freqüentes.
— A bengala.
— Mas parece que hoje chove.
— Chove, repetiu Pestana maquinalmente.
— Parece que sim, senhor, o céu está meio escuro.
Pestana olhava para o preto, vago, preocupado. De repente:
— Espera aí.
Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se e espalmou as mãos no
teclado. Começou a tocar alguma cousa própria, uma inspiração real e
pronta, uma polca, uma polca buliçosa, como dizem os anúncios. Nenhuma
repulsa da parte do compositor; os dedos iam arrancando as notas, ligandoas,
meneando-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo.
Pestana esquecera as discípulas, esquecera o preto, que o esperava com a
bengala e o guarda-chuva, esquecera até os retratos que pendiam gravemente
da parede. Compunha só, teclando ou escrevendo, sem os vãos esforços da
véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os olhos de
Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma como
de uma fonte perene.
Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda alguns pontos,
quando voltou para jantar: mas já a cantarolava, andando, na rua. Gostou
dela; na composição recente e inédita circulava o sangue da paternidade e da
vocação. Dois dias depois, foi levá-la ao editor das outras polcas suas, que
andariam já por umas trinta. O editor achou-a linda.
— Vai fazer grande efeito.
Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em
1871, quis dar-lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor
abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à
popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das
palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não
Fazem Festa.
— Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa? perguntou o autor.
— Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações e
guardou a polca, mas não tardou que compusesse outra, e a comichão da
publicidade levou-o a imprimir as duas, com os títulos que ao editor
parecessem mais atraentes ou apropriados. Assim se regulou pelo tempo
adiante.
Agora, quando Pestana entregou a nova polca, e passaram ao título, o
editor acudiu que trazia um, desde muitos dias, para a primeira obra que ele
lhe apresentasse, título de espavento, longo e meneado. Era este: Senhora
Dona, Guarde o Seu Balaio.
— E para a vez seguinte, acrescentou, já trago outro de cor.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações
compositor bastava à procura; mas a obra em si mesma era adequada ao
gênero, original, convidava a dançá-la e decorava-se depressa. Em oito dias,
estava célebre. Pestana, durante os primeiros, andou deveras namorado da
composição, gostava de a cantarolar baixinho, detinha-se na rua, para ouvila
tocar em alguma casa, e zangava-se quando não a tocavam bem. Desde
logo, as orquestras de teatro a executaram, e ele lá foi a um deles. Não
desgostou também de a ouvir assobiada, uma noite, por um vulto que descia
a Rua do Aterrado.
Essa lua-de-mel durou apenas um quarto de lua. Como das outras vezes, e
mais depressa ainda, os velhos mestres retratados o fizeram sangrar de
remorsos. Vexado e enfastiado, Pestana arremeteu contra aquela que o viera
consolar tantas vezes, musa de olhos marotos e gestos arredondados, fácil e
graciosa. E aí voltaram as náuseas de si mesmo, o ódio a quem lhe pedia a
nova polca da moda, e juntamente o esforço de compor alguma cousa ao
sabor clássico, uma página que fosse, uma só, mas tal que pudesse ser
encadernada entre Bach e Schumann. Vão estudo, inútil esforço.
Mergulhava naquele Jordão sem sair batizado. Noites e noites, gastou-as
assim, confiado e teimoso, certo de que a vontade era tudo, e que, uma vez
que abrisse mão da música fácil...
— As polcas que vão para o inferno fazer dançar o diabo, disse ele um dia,
de madrugada, ao deitar-se.
Mas as polcas não quiseram ir tão fundo. Vinham à casa de Pestana, à
própria sala dos retratos, irrompiam tão prontas, que ele não tinha mais que
o tempo de as compor, imprimi-las depois, gostá-las alguns dias, aborrecêlas,
e tornar às velhas fontes, donde lhe não manava nada. Nessa alternativa
viveu até casar, e depois de casar.
— Casar com quem? perguntou Sinhazinha Mota ao tio escrivão que lhe deu
aquela notícia.
— Vai casar com uma viúva.
— Velha?
— Vinte e sete anos.
— Bonita?
— Não, nem feia, assim, assim. Ouvi dizer que ele se enamorou dela, porque
a ouviu cantar na última festa de S. Francisco de Paula. Mas ouvi também
que ela possui outra prenda, que não é rara, mas vale menos: está tísica.
Os escrivães não deviam ter espírito, — mau espírito, quero dizer. A
sobrinha deste sentiu no fim um pingo de bálsamo, que lhe curou a
dentadinha da inveja. Era tudo verdade. Pestana casou daí a dias com uma
viúva de vinte e sete anos, boa cantora e tísica. Recebeu-a como a esposa
espiritual do seu gênio. O celibato era, sem dúvida, a causa da esterilidade e
do transvio, dizia ele consigo, artisticamente considerava-se um arruador de
horas mortas; tinha as polcas por aventuras de petimetres. Agora, sim, é que
ia engendrar uma família de obras sérias, profundas, inspiradas e
trabalhadas.
Essa esperança abotoou desde as primeiras horas do amor, e desabrochou
à primeira aurora do casamento. Maria, balbuciou a alma dele, dá-me o que
não achei na solidão das noites, nem no tumulto dos dias.
Desde logo, para comemorar o consórcio, teve idéia de compor um
noturno. Chamar-lhe-ia Ave, Maria. A felicidade como que lhe trouxe um
princípio de inspiração; não querendo dizer nada à mulher, antes de pronto,
trabalhava às escondidas; cousa difícil porque Maria, que amava igualmente
a arte, vinha tocar com ele, ou ouvi-lo somente, horas e horas, na sala dos
retratos. Chegaram a fazer alguns concertos semanais, com três artistas,
amigos do Pestana. Um domingo, porém, não se pôde ter o marido, e
chamou a mulher para tocar um trecho do noturno; não lhe disse o que era
nem de quem era. De repente, parando, interrogou-a com os olhos.
— Acaba, disse Maria, não é Chopin?
Pestana empalideceu, fitou os olhos no ar, repetiu um ou dois trechos e
ergueu-se. Maria assentou-se ao piano, e, depois de algum esforço de
memória, executou a peça de Chopin. A idéia, o motivo eram os mesmos;
Pestana achara-os em algum daqueles becos escuros da memória, velha
cidade de traições. Triste, desesperado, saiu de casa, e dirigiu-se para o lado
da ponte, caminho de S. Cristóvão.
— Para que lutar? dizia ele. Vou com as polcas. . . Viva a polca!
Homens que passavam por ele, e ouviam isto, ficavam olhando, como
para um doudo. E ele ia andando, alucinado, mortificado, eterna peteca entre
a ambição e a vocação. . . Passou o velho matadouro; ao chegar à porteira da
estrada de ferro, teve idéia de ir pelo trilho acima e esperar o primeiro trem
que viesse e o esmagasse. O guarda fê-lo recuar. Voltou a si e tornou a casa.
Poucos dias depois, — uma clara e fresca manhã de maio de 1876, —
eram seis horas, Pestana sentiu nos dedos um frêmito particular e conhecido.
Ergueu-se devagarinho, para não acordar Maria, que tossira toda noite, e
agora dormia profundamente. Foi para a sala dos retratos, abriu o piano, e, o
mais surdamente que pôde, extraiu uma polca. Fê-la publicar com um
pseudônimo; nos dois meses seguintes compôs e publicou mais duas. Maria
não soube nada; ia tossindo e morrendo, até que expirou, uma noite, nos
braços do marido, apavorado e desesperado.
Era noite de Natal. A dor do Pestana teve um acréscimo, porque na
vizinhança havia um baile, em que se tocaram várias de suas melhores
polcas. Já o baile era duro de sofrer; as suas composições davam-lhe um ar
de ironia e perversidade. Ele sentia a cadência dos passos, adivinhava os
movimentos, porventura lúbricos, a que obrigava alguma daquelas
composições; tudo isso ao pé do cadáver pálido, um molho de ossos,
estendido na cama... Todas as horas da noite passaram assim, vagarosas ou
rápidas, úmidas de lágrimas e de suor, de águas-da-colônia e de Labarraque ,
saltando sem parar, como ao som da polca de um grande Pestana invisível.
Enterrada a mulher, o viúvo teve uma única preocupação: deixar a
música, depois de compor um Requiem, que faria executar no primeiro
aniversário da morte de Maria. Escolheria outro emprego, escrevente,
carteiro, mascate, qualquer cousa que lhe fizesse esquecer a arte assassina e
surda.
Começou a obra; empregou tudo, arrojo, paciência, meditação, e até os
caprichos do acaso, como fizera outrora, imitando Mozart. Releu e estudou o
Requiem deste autor. Passaram-se semanas e meses. A obra, célere a
princípio, afrouxou o andar. Pestana tinha altos e baixos. Ora achava-a
incompleta. não lhe sentia a alma sacra, nem idéia, nem inspiração, nem
método; ora elevava-se-lhe o coração e trabalhava com vigor. Oito meses,
nove, dez, onze, e o Requiem não estava concluído. Redobrou de esforços,
esqueceu lições e amizades. Tinha refeito muitas vezes a obra; mas agora
queria concluí-la, fosse como fosse. Quinze dias, oito, cinco... A aurora do
aniversário veio achá-lo trabalhando.
Contentou-se da missa rezada e simples, para ele só. Não se pode dizer se
todas as lágrimas que lhe vieram sorrateiramente aos olhos, foram do
marido, ou se algumas eram do compositor. Certo é que nunca mais tornou
ao Requiem.
"Para quê?" dizia ele a si mesmo.
Correu ainda um ano. No princípio de 1878, apareceu-lhe o editor.
— Lá vão dois anos, disse este, que nos não dá um ar da sua graça. Toda a
gente pergunta se o senhor perdeu o talento. Que tem feito?
— Nada.
— Bem sei o golpe que o feriu; mas lá vão dois anos. Venho propor-lhe um
contrato: vinte polcas durante doze meses; o preço antigo, e uma
porcentagem maior na venda. Depois, acabado o ano, podemos renovar.
Pestana assentiu com um gesto. Poucas lições tinha, vendera a casa para
saldar dívidas, e as necessidades iam comendo o resto, que era assaz
escasso. Aceitou o contrato.
— Mas a primeira polca há de ser já, explicou o editor. É urgente. Viu a
carta do Imperador ao Caxias? Os liberais foram chamados ao poder, vão
fazer a reforma eleitoral. A polca há de chamar-se: Bravos à Eleição Direta!
Não é política; é um bom título de ocasião.
Pestana compôs a primeira obra do contrato. Apesar do longo tempo de
silêncio, não perdera a originalidade nem a inspiração. Trazia a mesma nota
genial. As outras polcas vieram vindo, regularmente. Conservara os retratos
e os repertórios; mas fugia de gastar todas as noites ao piano, para não cair
em novas tentativas. Já agora pedia uma entrada de graça, sempre que havia
alguma boa ópera ou concerto de artista ia, metia-se a um canto, gozando
aquela porção de cousas que nunca lhe haviam de brotar do cérebro. Uma ou
outra vez, ao tornar para casa, cheio de música, despertava nele o maestro
inédito; então, sentava-se ao piano, e, sem idéia, tirava algumas notas, até
que ia dormir, vinte ou trinta minutos depois.
Assim foram passando os anos, até 1885. A fama do Pestana dera-lhe
definitivamente o primeiro lugar entre os compositores de polcas; mas o
primeiro lugar da aldeia não contentava a este César, que continuava a
preferir-lhe, não o segundo, mas o centésimo em Roma. Tinha ainda as
alternativas de outro tempo, acerca de suas composições a diferença é que
eram menos violentas. Nem entusiasmo nas primeiras horas, nem horror
depois da primeira semana; algum prazer e certo fastio.
Naquele ano, apanhou uma febre de nada, que em poucos dias cresceu, até
virar perniciosa. Já estava em perigo, quando lhe apareceu o editor, que não
sabia da doença, e ia dar-lhe notícia da subida dos conservadores, e pedir-lhe
uma polca de ocasião. O enfermeiro, pobre clarineta de teatro , referiu-lhe o
estado do Pestana , de modo que o editor entendeu calar-se. O doente é que
instou para que lhe dissesse o que era, o editor obedeceu.
— Mas há de ser quando estiver bom de todo, concluiu.
— Logo que a febre decline um pouco, disse o Pestana.
Seguiu-se uma pausa de alguns segundos. O clarineta foi pé ante pé
preparar o remédio; o editor levantou-se e despediu-se.
— Adeus.
— Olhe, disse o Pestana, como é provável que eu morra por estes dias, façolhe
logo duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais.
Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou
na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os
homens e mal consigo mesmo.
sábado, 23 de abril de 2011
Memórias de um jovem de 60 anos
O pássaro voa,
o jovem voa.
O pássaro é livre,
o jovem é preso.
Quando eu era criança,
brincava,
dormia,
ria.
Quando fui jovem,
saí,
contestei,
errei.
Quando adulto,
trabalhei,
casei,
cansei.
Agora velho, volto a ser jovem...
Saio, mas ninguém me vê.
Contesto, mas todos dizem que estou louco.
Erro, mas ninguém mais se importa.
domingo, 13 de março de 2011
O sal da Terra
"Vós sois o sal da terra,
e se o sal for insípido, com que se há de salgar?
Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens."
e se o sal for insípido, com que se há de salgar?
Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens."
Mateus 5:13
Instantes atrás, lembrei-me de uma música que há muito tempo havia me tocado, o nome dela é: O sal da Terra. Tal música, em segundos, fez-me refletir sobre a importância de sermos "sal da Terra". É verídico que em um mundo tal como o nosso, ser sal é essencial, ser sal é colocar tempero na vida de quem não tem, seja com uma palavra amiga, com um gesto fraterno ou com a simples escuta.
É interessante tal importância, que até mesmo Jesus, apesar de já ter passado muito tempo de sua vinda, ressalta tal necessidade. O homem, com toda sua inteligência e beleza, tem cada vez menos preocupado com o bem estar social e com a natureza. Ele esquece-se dos outros e preocupa-se apenas com si; porém, apenas com a ajuda de todos, poderemos melhorar nosso planeta e fazê-lo mais "habitável".
Uma comida sem sal, fica sem sabor, assim também é nossa vida se a entregamos ao tédio, fica sem sabor, sem gosto! Sendo assim, mudemos o mundo e temperemo-lo com nosso sal, afinal:
"Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois
Prá melhor juntar as nossas forças é só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois."
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois."
domingo, 6 de março de 2011
A menina do "sem" amor!
Havia uma menina que não amava, ou então pelo menos, não sentia o amor há anos. Há tanto tempo ela sofrera, que ela decidiu não amar ninguém, só curtir o que viesse ao seu encontro,sem se apegar, sem se envolver. Foi então que, nesse contexto, ela encontra Arildo, um rapaz que, ao contrário dela, era calmo, distraído, tímido. Aos poucos, Lara foi sendo cativada por ele, não por sua aparência física, mas sim pela maneira que ele agia, a paciencia que ele tinha para fazer as coisas, a maneira que, aparentemente, ele se encantava com as coisas quando ia resolvê-las. Ela, sempre muito rápida, nunca parava para fazer as coisas, nem as observava direito, parecia mais uma máquina,sendo assim, nele, ela pôde perceber, o seu oposto mais intrínseco e isso, a divertia. Porém, a medida em que eles se aproximavam, Lara lutava para distanciar-se, embora soubesse que isso era algo quase impossível.
Já dizia Antoine de Saint-Exupéry: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.", e ele, a cada dia que se passava, a cativava mais. Os dois então, começaram a se encontrar cada vez mais, saiam para dar voltas pelas ruas e jogar conversa fora, para ir na biblioteca e pegar aqueles livros que ambos gostavam (embora fossem tão diferentes); e, ao seu lado, Lara sentia a brisa tocar-lhe, sentia o coração palpitar.Sua voz macia aplacava-lhe a dor e seu cheiro a fazia estremecer. Seria o amor indo ao seu encontro?
Não se esqueça porém, querido leitor, que ela lutava contra o amor! Sendo assim, apesar de tudo isso, Lara era uma ótima fingidora, fingia tanto, que chegava a acreditar que não o amava, que tudo isso não passava de uma grande e sincera amizade. Os amigos, porém, já haviam percebido o romance que pairava no ar. Com isso, os dias foram se passando e a intimidade foi ficando maior, até que, enfim, surgiu um dia, em que, Lara foi surpreendida por um beijo de Arildo no parque, enquanto eles conversavam. Lara sentiu a "bateria de samba" no coração, porém, não deixou levar-se por mero detalhe, afinal, era apenas uma "amizade colorida". E foi assim, que, tal amizade e tal intimidade aumentaram (eles continuavam, apesar disso, com esse "romance incrustado") .
Porém, querido leitor, não há nada que o tempo não resolva. E, nesse clima de amor, então, aos poucos, mas gradativamente, Lara, a menina do "sem" amor, aprende a amar e a ser amada!
sábado, 19 de fevereiro de 2011
"Ganhando experiência!"
Começo o meu texto com um questionamento: qual o sentido de "fazer aniversário"? Tá....além de ficar mais velha, "ganhar mais experiência"! Fazer aniversário para mim, nunca foi algo muito agradável, experiência nostálgica (apesar da pouca idade) de que a cada ano é menos um no meu tempo mundano. Esse ano em especial, traz uma incrível saudade de tudo o que passei e dúvidas e incertezas quanto ao meu destino (porém tem-se também o sentimento contraditório de euforia). Em um ano muita coisa muda, é um ir e vir de pessoas, um conhecimento vasto adquirido, muitos momentos inesquecíveis e alguns que você nem gostaria que tivessem existido. Para finalizar meu texto, gostaria de expor uma frase que na minha concepção exemplifica bem o que o "fazer aniversário" representa:
"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."
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